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ESPAÇO CRIATIVO 

 

 

 

Giulia Yokomizo Girardi

Colunista do Educandário e Instituto André Luiz

 

Sorocaba, 17 de Outubro de 2018

Colunista: Giulia Yokomizo Girardi

Vestibulinhos e vestibulares: porque não devemos temer

   O ano é 2013. Acordo cedo, vou à escola, volto para casa, almoço e logo já inicio minha tarde de estudos com um único objetivo: sair da escola pública onde estudo para poder cursar o ensino médio num colégio melhor. A apostila que uso é preparatória para a prova da Etec, mas a essa altura do ano, já fiz inscrições em todas as escolas particulares que oferecerão provas de bolsa. O sonho maior era ter condições melhores no Vestibular, para que eu pudesse ingressar numa universidade; o curso ainda era incerto, mas o ambiente universitário já habitava meus planos para o futuro. Eu tinha a absoluta certeza de que, para chegar onde eu queria, o caminho da educação pública seria muito mais difícil e me colocaria numa posição aquém do restante dos concorrentes, que certamente em sua maioria viria das escolas particulares. O sistema de ensino brasileiro historicamente sempre foi muito injusto com essa divisão entre particular e público, uma vez que, por mais que muitos profissionais do Estado se empenhem, não há recursos financeiros que possam nivelar a educação da maior parte da população com a que é recebida pelos que podem pagar por seus estudos.

   Atrás de novas oportunidades, minha rotina incluía estudar de tudo um pouco. A apostila já citada era um guia das principais matérias que eu deveria ter tido em meu ensino fundamental, e cuja maioria eu nunca nem havia ouvido falar. Para entender melhor as explicações dadas no livro, recorria a vídeos na Internet, principalmente no canal “Khan Academy”, onde um professor de matemática ensina conceitos para as crianças de todo o mundo. Além disso, quando achava que os exercícios da apostila não eram suficientes, procurava exercícios extra no Google. Rotina que se repetia todos os dias, pelo menos por três horas ao dia.

   Como é natural de uma fase como essa, a ansiedade e os medos acompanhavam lado a lado meus progressos nas preparações. Temia não conseguir passar em nenhuma prova, sentia o coração acelerar em vésperas das provas que prestei, mas o que foi fundamental nessa fase, além de muitos exercícios de respiração, era o apoio da minha família e a determinação que eu tinha de que em pelo menos uma daquelas escolas eu iria estar estudando no ano seguinte. A jornada de provas começou mais ou menos no meio do ano, havia me inscrito em todas as provas de bolsa possíveis em escolas que eu nem conhecia. Nas vésperas das provas, descansei bastante e não estudei nada, preparei lanches e garrafas de água. Durante o exame, de acordo com o número de questões da prova, eu estabelecia uma divisão entre elas para que eu pudesse fazer intervalos; se eram 60 questões no total, a cada 15 eu parava para comer, beber água ou ir ao banheiro. Assim, não ficava cansada demais nem perdia o controle do tempo.

   De todas as escolas que eu prestei prova, passei só em duas. Conforme o ano foi passando e os resultados negativos saíam, eu ficava decepcionada, mas mantinha a esperança de que alguma das escolas restantes seria o lugar de meu futuro. Em Dezembro, minha classificação na Etec foi suficiente para que eu pudesse ingressar, mas poucas semanas depois, o ISMART divulgou os aprovados e eu estava lá entre eles. Com muita alegria, matriculei-me no Colégio Uirapuru, onde eu nem imaginava que passaria os anos mais importantes da minha vida.

   O fim do Ensino Fundamental representou o encerramento de um ciclo. Era um ambiente mais infantil, com poucas disciplinas e poucos professores, menos pressão e bem menos responsabilidade, uma vez que a figura do professor detinha esse papel de garantir que estávamos estudando. Sair desse ambiente confortável e cômodo para encarar um universo completamente novo foi desafiador, para dizer o mínimo. No Ensino Médio, as matérias praticamente dobraram de número, se antes eu tinha 8 disciplinas, agora havia 15; além disso, a pressão do vestibular ronda todas as aulas, e a adaptação a um novo ambiente, com novos colegas de uma realidade diferente da sua, se dá de maneira gradual e nem sempre é fácil. Os professores conferem mais autonomia aos alunos, então a responsabilidade aumenta, porque a falta de cobrança dá uma falsa ideia de liberdade.

   Quanto ao Ensino Médio em si, o vestibular passa a ocupar o centro das preocupações: a escola oferece simulados, listas de exercícios, redações, conversa com ex-alunos e resolução de exercícios das provas em sala. Há a pressão da escola, da família, dos professores, dos colegas e de si mesmo quanto a escolha de uma carreira e definição de um curso, uma instituição e bons resultados. É um momento muito complicado e delicado por muitos motivos: ou você não sabe o que quer fazer, ou seu desempenho não está lá essas coisas, ou tem que abrir mão de algumas coisas que são importantes. Para isso, é fundamental que se encontre o apoio em algo ou alguém, seja nas sessões de terapia, nos esportes, na família, nos amigos ou nos professores. Deve-se entender, também, que nenhuma escolha é definitiva, que a dificuldade faz parte do processo e não torna ninguém melhor ou pior que o outro. O Ensino Médio tem essa carga emocional mais pesada, mas nem por isso deve deixar de ser um dos momentos mais legais e divertidos da vida. O estudo é fundamental, mas o descanso também, bem como manter uma vida social relativamente ativa, seja com a família ou com os amigos, separar um tempo da semana para estar com quem te apoia o tempo todo e apenas curtir o momento é fundamental para que a pressão não cause danos permanentes e negativos. Acima de tudo, deve-se ter muita atenção com a saúde e em nenhum momento deixá-la de lado em detrimento de uma prova ou de uma série de exercícios. Estar saudável primeiro para poder se dedicar aos estudos depois.

   Passados três anos de muito empenho e dedicação, chega o momento decisivo: a época dos vestibulares. Aqui, o medo e a ansiedade das provas de vestibulinho voltam com força total, o que exige ainda mais controle do tempo e das emoções. A regra de ouro é descansar na véspera, tudo o que podia ser feito como preparação para o exame já foi feito, o desempenho fica comprometido se as últimas 24 horas não foram de descanso e é essencial acreditar que se fez o melhor que pôde e está preparado.

   Nunca irei me esquecer do último dia da segunda fase da Fuvest, meu último dia de vestibular. Minha mãe me buscou no local de prova e fomos direto comemorar com uma coxinha da Padaria Real. O pós-provas é isso: relaxar, descansar e comemorar as tão merecidas férias, sem remoer os possíveis erros cometidos e nem ficar contando os dias pra divulgação do resultado. Pela primeira vez em anos, 

   Nunca irei me esquecer do último dia da segunda fase da Fuvest, meu último dia de vestibular. Minha mãe me buscou no local de prova e fomos direto comemorar com uma coxinha da Padaria Real. O pós-provas é isso: relaxar, descansar e comemorar as tão merecidas férias, sem remoer os possíveis erros cometidos e nem ficar contando os dias pra divulgação do resultado. Pela primeira vez em anos, as férias realmente significam liberdade e colocar em dia o sono, as séries, a lista de filmes e livros, e até mesmo as viagens com a família.

   Até que, no meio das férias, os resultados começam a ser divulgados. Aqui, há duas opções:

   Se for aprovado, comemore e já comece a se preparar para o início de um outro ciclo, muito mais independente, que vai exigir o máximo de responsabilidade e autonomia, porque será mais flexível que a escola e a vontade de faltar às aulas e não estudar será uma possibilidade real, e é aí que entra a responsabilidade. Muitos se mudam para outras cidades, estados e até países diferentes, a sensação de liberdade e independência aos poucos dá lugar à saudade, o preço da autonomia é se virar sem a família por perto pra socorrer, mas os retornos ao lar serão mais felizes e proveitosos, mais valiosos. Dois lados de uma mesma moeda.

   Já se o resultado for negativo, não há motivo para desanimar. Será triste e um pouco decepcionante, mas, depois de sentidos ao máximo, esses deverão dar lugar à motivação e determinação mais uma vez. O acontecimento servirá de experiência para que a próxima vez seja melhor, mais madura, e o preparo seja maior. As opções são os cursinhos, ou estudar por conta, e nenhuma delas é motivo de vergonha ou humilhação. Todos merecem uma segunda chance, uma terceira, quarta, quinta... Não conseguir de primeira não te torna menos do que quem conseguiu, às vezes naquele dia a saúde atrapalhou com uma dor de cabeça intensa, ou era muito cansaço, ou o nervosismo foi uma barreira, ou a semana não tinha sido boa e interferiu no desempenho. 

   Coisas acontecem e é mais normal do que parece, o fundamental é não deixar que isso faça desistir!

  Outra possibilidade ainda, é começar a cursar a faculdade e perceber que não é exatamente aquilo que você esperava. Se o problema for o curso ou a instituição, troque. Por transferência ou vestibular mais uma vez, ninguém é obrigado a dar continuidade a algo que não lhe agrada. Na verdade, é bem comum que isso aconteça. Segundo uma pesquisa feita pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira), entre os anos de 2010 e 2015, 56% dos estudantes trocaram de curso no meio da graduação. Insistir num curso que não é o certo para você só vai contribuir para que sua vida se torne infeliz e o profissional que você irá se tornar será ruim, pois não gostará de exercer aquela profissão.

   Há uma frase famosa de Guimarães Rosa, no seu livro “Sagarana”, que muito se aplica a essa fase de provas e vestibulares, porque, por mais que você perca a crença em si mesmo e no seu potencial, por mais que não seja no momento que você queira ou da maneira que imaginou, nunca perca a esperança de que um dia vai alcançar o que sempre quis, afinal:

“Cada um tem a sua hora e a sua vez: você há de ter a sua.”.

Sorocaba, 08 de agosto de 2018

Colunista: Giulia Yokomizo Girardi 

16° Festa Literária Internacional de Paraty: a resistência resde na diversidade

 

“Ser terra

E cantar livremente

O que é finitude

E o que perdura.

 

Unir numa só fonte

O que souber ser vale

Sendo altura.”

Hilda Hilst – Trajetória poética do ser (I) (1963 – 1966)

 

    Hilda Hilst, um dos grandes nomes da poesia brasileira, foi a homenageada da 16° edição da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP). De enorme intensidade e pluralidade na escrita de seus livros, Hilst foi pioneira em muitos temas considerados tabus pela sociedade, possuindo obras consideradas polêmicas pela crítica. Acima de qualquer adversidade, Hilda escrevia sobre a vida como ela era, evitando a qualquer custo florear e adicionar inverdades à realidade de seus escritos – cantando livremente o que perdura e o que acaba, como expressa no trecho que abre esse texto.

    No programa oficial 2018, a presidente da FLIP, Liz Calder, conta sobre a origem da ideia de um festival literário totalmente brasileiro: foi no País de Gales, em 1997, ao participar de um festival local com escritores brasileiros até então pouco conhecidos, como Milton Hatoum, por exemplo. Relata, ainda, que a experiência de levar a cultura brasileira ao exterior trouxe a percepção da literatura como “uma maneira de cruzar fronteiras”, e os festivais literários poderiam “facilitar esse cruzamento.” Dessa maneira, em 2018, a 16° Festa Literária ocupa mais 20 casas parceiras em Paraty, além das praças públicas e do Centro Histórico, o que atribuiu ao evento o título de pioneiro na ocupação de espaços públicos pela cultura. Há, além das mesas de discussão do evento principal, lançamentos de livros, rodas de conversa sobre temas presentes no Brasil e no mundo, exibição de filmes no recém reinaugurado Cinema da Praça, além de exposições.

    Se eu pudesse resumir as dezenove mesas numa só palavra, esta seria “resistência”. Dos mais diversos países e realidades sociais, autores e autoras deram verdadeiras lições de vida em suas participações sobre uma gama de temas, dentre os quais destacam-se alguns:

    A mesa “Amada Vida” reuniu Selva Almada, um dos maiores nomes da ficção argentina, que trata de casos de feminicídio em sua obra mais conhecida, Garotas mortas, com Djamila Ribeiro, um dos maiores nomes do movimento feminista negro do Brasil.      Assim, esta mesa reuniu duas grandes figuras na resistência feminina na América do Sul.

    Já a décima mesa, “Interdito”, tratou da liberdade de escrita e da escolha de temas considerados tabus, ou mesmo proibidos em alguns países, como religiões e homoafetividade. Os dois convidados foram o egípcio André Aciman, autor do best-seller Me chame pelo seu nome, e a marroquina Leila Slimani, a primeira mulher a ganhar um prêmio literário no mundo árabe-muçulmano.    Houve, nesse diálogo, a defesa da liberdade de expressão nos contextos de opressão pela temática de Aciman ser o relacionamento homoafetivo, como também o combate à restrição do espaço de Leila enquanto mulher no mundo árabe.

   “Obscena, de tão lúcida” foi a frase de Hilda Hilst que nomeou a mesa 14, encontro de dois autores extremamente lúcidos e atuantes em seus países, Juliano Garcia Pessanha, paulistano autor de livros voltados para a área de Filosofia e Psicologia, e Isabela Figueiredo, moçambicana residente de Lisboa, cujos livros têm como temas o combate à gordofobia (“A gorda”) e o registro da história de opressão na época de Moçambique enquanto colônia de Portugal (“Caderno de memórias coloniais”). A redescoberta e análise constantes do ser humano encontra com a resistência da mulher contra os padrões de beleza e com os relatos de uma época em que o racismo era lei em Moçambique.

    A mesa seguinte, “Atravessar o Sol”, trouxe o norte-americano vencedor do Pulitzer Colson Whitehead, autor do ultrapremiado romance Underground railroad: os caminhos para a liberdade, cujo enredo é sobre uma escrava do Sul dos Estados Unidos que traça sua rota de fuga em direção aos estados do Norte que já não eram escravistas. Para complementar a mesa com uma presença nacional, estava o estreante Geovani Martins, que aborda em seu livro de contos O sol na cabeça o cotidiano da vida na periferia do Rio de Janeiro. “Atravessar o sol” foi sobre enfrentar as dificuldades de um país então dividido entre escravocratas e homens livres, mas também contou com o presente muito próximo de nós, os conflitos bárbaros vividos nas favelas brasileiras.

Além da resistência, outra palavra que resume bem a FLIP 2018 é “multiculturalismo”. Houve, nesse evento, escritores de Portugal, Itália, França, Rússia, Estados Unidos, Reino Unido e Argentina, dentre os quais a maioria reside num país diferente do qual nasceu. A diversidade de nacionalidades foi essencial na discussão dos tópicos levantados durante os dias da Festa Literária, de modo que as visões de mundo complementavam umas às outras e embasavam novos questionamentos. Os relatos de um escritor francês encontravam pontos em comum com as perguntas de uma autora da Itália, que, por sua vez, tinham relação direta com as problemáticas retratadas nas obras dos brasileiros ou dos norte-americanos. Muito importante, também, foi a contribuição local para a discussão. Em especial, a mesa “De malassombros” apresentou ao público da Flip  uma folclorista que recolheu histórias orais de Paraty, Thereza Maia, e um escritor nordestino que abordou a mitologia da morte em sua obra, Franklin Carvalho. A 17° mesa foi recheada de causos regionais e reflexões sobre a morte, apresentando ao público composto de pessoas dos mais diversos lugares do Brasil e do mundo um pouco mais do folclore da região de Paraty.

    Apesar do Auditório da Matriz ter sediado todas essas 19 mesas, o verdadeiro palco da Flip eram as ruazinhas de pedras, muito difíceis de serem percorridas, o que ditava o ritmo lento necessário para um olhar mais atento ao espetáculo multicultural que acontecia ali. Os paratienses recebiam muito calorosamente os turistas em seus comércios de casinhas brancas com janelas coloridas. Os turistas, por sua vez, compartilhavam suas experiências a cada esquina, e, assim, a caminhada pelas ruas era recheada dos mais diversos sotaques, e até mesmo de muitas línguas diferentes. Parte da programação cultural das casas parceiras da Flip, aconteciam a todo momento intervenções artísticas, apresentação de músicas e até mesmo uma banda de instrumentos de sopro. Havia, também, ruas repletas de índios muito sorridentes e receptivos, que saíam de suas tribos nas montanhas que cercavam Paraty para vender seus artesanatos e apresentar suas músicas típicas em troca de algum dinheiro. Nos arredores da Praça principal, poetas e poetisas independentes de todos os lugares do país exibiam suas poesias e vendiam seus livretos.

    Enfim, quando caía a noite, havia uma série de apresentações de música típica de países de língua portuguesa na grande tenda do patrocinador EDP. A primeira noite foi angolana, com exibição de música e dança típicas, além da degustação da culinária local. Nos dias seguintes, houve a noite portuguesa, que contou com apresentação de fados e distribuição de pastéis de nata e, por fim, a noite brasileira para encerrar com chave nacional.

    A 16° Festa Literária Internacional de Paraty foi muito além de uma troca valiosa de discussões sobre literatura, e chegou a alcançar a esfera social. É um evento que mobiliza uma cidade inteira, valorizando o comércio local e as atividades típicas dos caiçaras, como o passeio nos pequenos barcos que são uma tradição na cidade. A literatura de resistência num mundo de muita desigualdade e violência reflete-se numa parcela da população que tem acesso ao conhecimento desses livros e que quer contribuir para que este seja distribuído a todos. Reflete-se, também, na grande quantidade de crianças presentes no evento, muitas delas filhas de moradores locais que vivem do que pescam e se orgulham de ter como casa um dos lugares mais bonitos do Brasil. Hilda Hilst, a homenageada, canta em seu poema que abre este texto exatamente o desejo de todos: poder tratar livremente de todo tipo de tema, tanto daqueles atuais que acabam, quanto dos que atravessam gerações e continentes. Não há maneira melhor de encerrar um texto recheado de gratidão do que com a fala do programa educativo da Flip sobre a relação entre o evento e a educação e, assim, refletir como podemos compartilhar nosso conhecimento, não importa quanto seja, nem sobre o que seja, para colaborar com a construção de um mundo de resistência e mais amor. Começando por nós mesmos:

 

“Ao narrar histórias, as dos outros e as nossas, inauguramos novas janelas de mundos, adentramos e habitamos paisagens diversas – e também de universos interiores. Os livros, com forte poder ancestral de encantamento, abrem recônditos na imaginação leitora, estabelecem conexões com a realidade circundante, nos ajudam a acreditar que somos quem nós somos. Assim, (...) comunidades, escolas e bibliotecas são convidadas a inventar (...) seus universos.” (p. 108).

 

Sorocaba, 01 de Junho de 2018

Colunista: Giulia Yokomizo Girardi

 
Em tempos de crise, como o jovem pode mudar o Brasil?


    Há uma frase amplamente repetida no meio jornalístico e que tomou conta das conversas cotidianas de padarias e pontos de ônibus: “É, vivemos tempos de crise”. Não há mesmo como negar que o Brasil tem atravessado turbulências em todos os campos, desde a economia até questões sociais e ambientais. Nesse contexto de escândalos diários, repletos de ameaças à democracia, à liberdade de expressão, à paz e ao convívio social equilibrado, está o jovem brasileiro com uma dúvida: o que posso fazer para ajudar a mudar essa realidade?
    Em primeiro lugar, a juventude deve-se munir de informação, a fim de que entenda melhor as situações que enfrenta e, assim, possa formar uma opinião a respeito de tais questões. Um cuidado que se deve ter, entretanto, é com as chamadas “fake news”, ou notícias falsas, que contabilizaram 2,9 milhões de acessos do período de janeiro a março de 2018, segundo profissionais especializados em cibercrime (dfndr.lab). Dessa forma, as fontes da informação, bem como seu conteúdo, devem sempre serem verificados e colocados em contraste com outras notícias. O indivíduo informado tem muito mais poder de transformação do que aquele que só reproduz o que lhe contam.
    Uma vez esclarecido, o jovem pode começar a operar a mudança em si mesmo e em seu círculo social mais próximo, como amigos, família e colegas de escola ou faculdade. Algumas pequenas medidas, se tomadas, podem contribuir para o começo de uma rede de transformações em vários âmbitos. Quanto às questões ambientais, é fundamental que se inicie a reciclagem de materiais, a coleta seletiva do lixo, a economia de recursos hídricos e energéticos, entre outros. Já no que toca às temáticas sociais, o primordial é o diálogo com o outro, para que se conheça os diversos lados de uma mesma situação, e o combate às “pequenas corrupções do dia a dia”, entre elas estão “furar” filas e “colar” nas provas. Economicamente, o que há para ser feito é criar uma consciência financeira, de modo que recursos sejam salvos para garantir as necessidades básicas no futuro. As questões emocionais também ocupam posição de destaque na sociedade atual – já que estão em pauta nas redes sociais e em instituições de ensino discussões sobre saúde mental, depressão e suicídio –, e é indispensável que se tenha atenção aos sinais de qualquer alteração de comportamento para a obtenção do tratamento correto o quanto antes.
    Em maior escala, a sociedade brasileira precisa de mudanças essenciais que só podem ser atingidas por um caminho, o mais importante de todos: a educação. O investimento na educação garante que os jovens possam ter as ferramentas necessárias para operar a transformação do Brasil. Assim, cabe ao jovem acreditar que sua educação é o instrumento mais poderoso e ter em mente que sua formação deve ser prioridade, seja em qual área o fizer mais feliz. Sabe-se que a realidade injusta nem sempre oferece recursos para o indivíduo seguir seus estudos, por isso, aqueles que têm oportunidades de prosseguir no caminho da educação devem ter consciência de sua responsabilidade social, para que possam ajudar a garantir uma educação de qualidade a todos e, dessa maneira, transformar o Brasil num país de mais igualdade e menos conflitos, com a população constituída de seres pensantes e donos de seu próprio destino.

 

 

Sorocaba, 05 de Maio de 2018

Colunista: Giulia Yokomizo Girardi

Nunca me sonharam: a voz do ensino público vira documentário

    
“A educação é a porta de entrada para outros direitos”. Essa é uma das falas presentes no documentário Nunca me sonharam (2017), produzido pela parceria do Instituto Unibanco com a Maria Farinha Filmes. O tema principal do longa é a educação na escola pública, apresentando um panorama geral desse tema no Brasil, com entrevistados do Rio Grande do Sul, Ceará, Espírito Santo, Pará, Piauí, Goiás, São Paulo e Rio de Janeiro.
    Logo nos primeiros minutos, jovens de todos esses estados ganham espaço para tecer reflexões e depoimentos sobre a adolescência, personalidades, a pressão da sociedade, dificuldades do crescimento, a motivação de ir atrás dos sonhos, confusão das escolhas, entre outros. Há, em seguida, uma constatação interessante feita por um professor indígena: o ensino médio é como um rito de passagem, e não existe rito sem dor. Por essa afirmação ele levanta a questão das dificuldades que surgem de maneira natural e inerente a esta nova etapa, mas também atenta para o fato de que são dores necessárias para o crescimento do aluno. O problema, entretanto, é quando obstáculos extras são adicionados à jornada, problemas que não fazem parte do ciclo normal de ensino médio. É nesse ponto que está todo o conteúdo do documentário: é apresentado a seguir uma série de dificuldades e histórias de superação tendo como pano de fundo a escola pública, bem como depoimentos de professores desiludidos e de outros muito motivados.
    Por exemplo, a questão da desigualdade é abordada de vários ângulos diferentes — como os demais temas. Por um lado, temos especialistas dissertando sobre os efeitos da desigualdade em todas as dimensões sociais, juntamente com falas de professores sobre situações desiguais vividas por eles nas escolas. Por outro, há alunos dando depoimentos sobre todas as discriminações sofridas, tanto quanto à classe social, cor da pele, gênero, orientação sexual, como também por ter de trabalhar no contra turno para ajudar a família e até mesmo por ter engravidado e continuado a estudar. A desigualdade se faz constante na sociedade, e é um fator muito prejudicial na formação de jovens que serão o futuro do país.
    Apesar de apresentar muito fidedignamente a realidade do ensino público, com todas as falhas e rachaduras, o discurso predominante é o da esperança. Um dos alunos conta que mesmo com pais muito humildes que nunca o sonharam sendo formado, se tornando médico ou professor, ele persistiu no caminho da educação. Os diretores das escolas entrevistadas enfatizam a necessidade de depositar confiança nas novas gerações, uma vez que são a esperança de uma mudança mais palpável, mais real. Por fim, as crianças contam seus sonhos, ambições e desejos mais profundos, e é nesse momento que há a confirmação de que há esperança nas escolas públicas. As crianças que enfrentam as dificuldades e vencem o rito de passagem superando mais obstáculos do que deveriam, essas mesmas mentes sonhadoras, que conhecem a importância da educação, elas é que vão tornar o futuro muito mais justo, igual e acessível a todos.

 

 

Apresentação: 

conheça a nova colunista do Educandário e Instituto André Luiz

 

Sorocaba, 24 de Abril de 2018

 

 

 

A partir de hoje, o Educandário e Instituto André Luiz terá a publicação mensal de textos associados às atividades realizadas e temas relacionados à educação, sociedade e o poder transformador que aquela exerce nesta.

O primeiro texto, no entanto, é de apresentação. Recebi com muita alegria a proposta para ser a colunista oficial do instituto, já que se trata de um projeto pelo qual tenho uma admiração muito grande — eu mesma fui uma aluna da rede pública a quem foi dada uma oportunidade incrível, eu já estive no lugar dos potencializados. 

Meu nome é Giulia Yokomizo Girardi, tenho 18 anos, e atualmente curso o segundo ano de Letras – Português/Linguística na USP. A oportunidade de que falei ali em cima foi a aprovação no projeto do ISMART (Instituto Social para Motivar, Apoiar e Reconhecer Talentos), que oferece bolsas integrais para escolas particulares de ponta em algumas cidades nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Fui aprovada nesse processo seletivo para o Colégio Uirapuru, em Sorocaba (interior de SP), onde fiz os três anos de ensino médio. Foi lá que eu conheci o Pedro, ele estava apenas um ano à frente do meu, éramos do mesmo projeto, portanto pude acompanhar todas as suas conquistas de perto e, de certa forma, me inspirar nelas para seguir o meu próprio caminho.

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Desde que me mudei da capital para o interior, em 2011, eu estudei apenas em escolas da rede pública, mas sempre almejei uma vaga na universidade e sabia que se continuasse no meu colégio estadual — minha família não tinha condições de pagar um ensino privado — seria mais complicado conseguir um dos meus maiores sonhos, a USP. Sendo assim, quando estava no último ano do fundamental, fiz provas de bolsa em todas as escolas particulares da cidade e prestei o “vestibulinho” da Etec, enquanto passava pelo processo seletivo do ISMART. Em 2014, comecei o primeiro ano do ensino médio no Colégio Uirapuru, com todo um apoio pedagógico do projeto e da escola devido à defasagem que eu apresentava em relação aos demais alunos. Foram três anos de muito estudo, muita luta para acompanhar aquele ritmo totalmente novo, mas também não faltou a ajuda dos meus professores, do ISMART, da minha família e dos meus amigos. Costumo dizer que foi a época em que eu mais cresci na minha vida, e é verdade. Não só me tornei academicamente melhor, como um ser com o olhar mais crítico e uma jovem mulher muito mais segura de mim. Quem me acompanhou sabe que a menina de 14 anos que entrou no colégio mais difícil da cidade não é a mesma que saiu, aos 17, rumo ao curso de Letras na Universidade de São Paulo. Ano passado, o Uirapuru me chamou de volta ao colégio, mas dessa vez como estagiária; tem sido uma experiência muito curiosa e enriquecedora!


Sendo assim, no momento em que fiquei sabendo do Educandário, imediatamente me animei: mais alunos poderiam, enfim, ter uma oportunidade de aprimorar seus talentos e seguir seus sonhos com menos empecilhos acadêmicos!
Sempre acreditei no potencial da educação de transformar vidas e realidades sociais, até mesmo, por isso, pretendo me envolver na área que é a peça mais fundamental na construção de um futuro diferente, em que a gente pode ser o que quiser. É indescritível a sensação de conseguir ocupar um espaço tão desejado, seja uma universidade no Brasil, uma “University” no exterior (como o Pedro), a chefia de seu próprio empreendimento ou qualquer que seja o cenário do maior sonho de cada um dos jovens que se engajam na educação. O Educandário, de forma análoga ao ISMART na minha vida, representa uma luz, a oportunidade de transformar por completo toda uma situação social e um indivíduo que, ao entrar em contato com mais  conhecimento e com o outro, torna-se um ser humano muito mais sensível e empático, de maneira que possa contribuir para a sociedade numa corrente de bem.


Comprometo-me a dedicar o meu melhor mensalmente para, através de textos, acompanhar a evolução do Educandário e Instituto André Luiz e comprovar, de uma vez por todas, o que Nelson Mandela disse há algumas décadas: “a educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo. ”